segunda-feira, 21 de junho de 2010

Aqui se faz, aqui se vê

Thomaz Torina


Trânsito totalmente congestionado. Impaciente, vou me enfiando aqui e ali e consigo pegar a paralela. Ando algumas quadras e retorno para a rua de onde acabara de sair na esperança de driblar uma parcela da lentidão e encontrar um fluxo mais tranqüilo. Nada feito. Mesmo com o empenho dos organizadores, a Virada Cultural 2010 apresentava pontos de lentidão.
A sensação de estar no centro da cidade de São Paulo e não ouvir uma buzina, não avistar um carro se confundia com a euforia de estar em um evento cultural enorme realizado em praças, ruas, teatros da maior cidade do país. Mesmo acompanhado por dois amigos, o frio na barriga, os olhos atentos a tudo que acontecia e a fala que se perdia entre risos e piadas sem sentido queriam estar presentes.
Começamos nossa caminhada algumas quadras abaixo da Avenida Paulista. Eram raros os carros que trafegavam por ela. A noite era mesmo especial. Na fila do metrô, por mais que eu não quisesse passar a imagem de caipira, era inevitável o sentimento de novidade. Nós estávamos alguns palmos abaixo da terra!Era como estar em um shopping center, cercado por paredes de concreto, sem poder ver o que acontecia do lado de fora e com muita gente ao redor.
Quando a lata sobre trilhos se aproximou, só pensei em uma coisa, não ficar pra fora. Aquilo voava, e eu pensava em outra coisa: já imaginou se isso aqui descarrila. Depois da baldeação, pedimos uma informação sobre a saída e o guarda falou o que já era de se esperar: “Segue o fluxo”. A multidão ia tranquila e já dava pra ver as escadas. Ao pisar na rua, foi como se eu estivesse emergindo de águas profundas, voltando à superfície.
Decidi não me arriscar de cara e partir sozinho para ver as atrações que eu já havia planejado. A idéia de seguir a dupla que eu acompanhava e assistir ao Baile do Simonal com Wilson Simoninha e Max de Castro não me pareceu ruim. A caminhada foi longa e durante o caminho fui me soltando e entrando no clima. Só foi preciso começar o show pra esquecer de vez o receio e embalar na noite. O samba estava quente na lotada Praça da República e o público que ia desde jovens de todos os estilos até senhoras, passando por mulheres de meia idade, não poupava o gingado. Alguns buscavam nas árvores um lugar melhor pra assistir ao show, outros subiam nos monumentos. Observei por alguns segundos uma garota que parecia muito à vontade, nos ombros de um rapaz, estampando um sorriso alegre e acompanhando com seu pandeiro o ritmo da batida.

Praça da República lotada durante o Baile do Simonal


Durante a apresentação decidi que iria até o palco do reggae assistir ao primeiro show da madrugada de sábado, à 1:00 da manhã. Sem saber para onde seguir, me informei com um dos muitos policiais que prestavam serviço naquela noite. A se fosse sempre assim! Após as instruções me lancei em nova caminhada, dessa vez, sozinho. No percurso, alguns bêbados amparado pelos amigos, um grupo de ciclistas em umas bicicletas engraçadas e a "presença" ilustre de Lady Gaga em um vestido vermelho acenando para os fãs. Mais a diante um pequeno grupo, porém, muito agitado, prestigiava a atuação de Junior Meirelles no Palco para uma pessoa só. O músico dobrava seus vocais com gravações momentâneas, simulando dois back vocals e , com isso, podia cantar a letra acompanhado por mais de uma voz. A performace parecia agradar muito o público. Continuei o caminho e fiquei espantado com o que vi: uma quantidade impressionante de pessoas e lá no horizonte o palco.
  

Quando se enfrenta situações como essa, dois extremos apitam dentro da cabeça feito uma luz de emergência: ou vai, ou racha. Optei pela decisão de vestir a aura de gladiador, enfrentar os leões e ficar cara a cara com o rei. A comparação não é de todo exagerada. Diferente das atrações que eram realizadas nas praças, o público que decidiu prestigiar o reggae na Rua Barão de Limeira se espremeu em um corredor cercado de prédios onde o ar não circulava muito bem. O meio estava impenetrável e a calçada me pareceu uma boa rota. Tomada por casais que se encostavam nas paredes, parecia não ser muito visada pela massa, mas só fui me dar conta do engano quando, sem perceber, já estava novamente no centro da multidão e o palco demorava a chegar. O Cidade Negra se despedia tocando a saidera e o próximo show prometia: Fully Fullwood Band, banda que leva o nome do ex-baixista de Bob Marley & The Waillers. A caminhada continuava muito difícil e, por duas vezes, quase cai dentro da churrasqueira de um vendedor ambulante. O calor e a dificuldade de respirar incomodavam e quase desisti, mas perder a oportunidade e esperar por um ano me pareceu demasiado desvantajoso. Pensei em pegar uma paralela e entrar mais a diante, o que não adiantou muito.


Após 45 minutos de luta, finalmente eu estava lá, meio sem saber como, de frente para o palco, esperando ansiosamente ouvir os acordes daquele baixista que, junto com Bob Marley, fazia do reggae um som de poder. O atraso de 40 minutos sequer deixou a galera irritada e quando a banda entrou tocando Bufallo Soldier a multidão parecia levitar: os sorrisos e as mãos para cima geravam uma atmosfera de conforto, mesmo com o aperto. O repertório variou entre composições de Peter Tosh e Bob Marley, mas era quando as canções de Marley eram tocadas que a multidão se agitava de verdade. O baixista Fully Fullwood foi alvo de muitas palmas e mesmo grisalho arrepiou em um solo arrancando gritos da multidão. Em seguida anunciou a clássica Jamming como saidera, levantando o público.

Show encerrado, a missão agora era ir pra casa. Vencer a massa no caminho da volta não era algo que eu queria fazer. Vi que algumas pessoas também compartilhavam essa idéia e pulavam uma grade na lateral do palco. Não pensei duas vezes e pulei também. A saída pela porta dos fundos nunca foi uma má idéia.

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