segunda-feira, 21 de junho de 2010

Deixa isso prá lá, vem prá cá, o que é que tem?

Gabriela Borini e Renata Assumpção

Havia algo diferente no ar. Era só olhar para os lados ao entrar no metrô e não se notava a pressa e o semblante taciturno costumeiros; as pessoas pareciam mais leves, sorrisinhos à meia boca eram constantemente flagrados. Seguimos para a Praça da República por caminhos distintos: uma pela estação da Luz, outra pela estação Anhangabaú. Durante o trajeto também experienciamos coisas distintas, mas, por longas 24 horas, nós e os que ali estiveram fomos os reis e as rainhas da cidade.


Fotos do Flickr de Adar Rodrigues

Fim de tarde em São Paulo. Milhares de pessoas caminhavam a céu aberto entre os palcos da Virada Cultural 2010. Na saída do metrô, o piano no centro da Estação da Luz nunca foi tão requisitado. Sentindo-se artistas, alguns despendiam longos minutos numa invenção rítmica por vezes até agradável aos ouvidos, enquanto outros permaneciam em pé ao redor do piano, soltando aplausos ao final de cada apresentação.
Próximas umas as outras, as atrações pareciam se multiplicar ao pisarmos na calçada pela primeira vez naquela noite que prometia ser divertida e longa. No Parque da Luz, ainda naquela região, um público de aproximadamente 200 pessoas esperava a apresentação brilhante e colorida de Vagalume "Die Lichtwesen" marcada para as 21 horas. Famílias haviam deixado suas casas entusiasmadas – como dissera um pai – para assistir à performance de um grupo que, interagindo com quem por ali passava, faria uma encenação teatral.


Fotos do Flickr de Atila Sarkozy e Sonico

Meia hora depois do previsto, uma das integrantes surgiu do coreto central vestindo, de fato, uma roupa de luzes – ainda que não tão brilhante assim –, em cima de pernas de pau, e começou a interagir com o público. Imaginava-se que este seria o início da apresentação não estivessem as pessoas deixando o local. Ao se aproximar era possível ouvi-la dizer que o espetáculo era formado por intervenções – sendo aquela a primeira delas –, mas que a grande apresentação estava prevista para 1h da manhã. A organização, segundo ela, tinha divulgado errado a programação. Decepcionados, muitos pais, mães, crianças, idosos, jovens e nós seguíamos em busca de outra diversão.
No caminho até nosso destino final, especial para os amantes do samba, havia um pequeno bar que estava de portas abertas para receber uma parcela subtraída do evento na capital paulista. O hip hop, que vem perdendo espaço na programação desde 2007 - quando um carro foi queimado e 11 pessoas foram presas durante uma briga entre público e polícia no show do grupo Racionais MCs -, ganhou um cantinho na avenida Prestes Maia para não cair no esquecimento. Além do estilo norte-americano, um gênero tipicamente brasileiro dominava o espaço. Entre som alto, fumaça e fogo artificial, homens e mulheres seguravam copos de cerveja nas mãos e dançavam animados o funk carioca.


Fotos do Flickr de Adar Rodrigues

O tempo passava e precisávamos continuar o passeio. A noite seguia fresca e agradável aos quatro milhões de pessoas e o frio que domina a capital paulista foi mais ameno naquele sábado. De acordo com a organização do evento, quatro mil policiais estavam espalhados pela cidade. Por onde passávamos víamos homens e mulheres devidamente uniformizados com suas armas e seus coletes que pareciam não só garantir segurança da população, mas também aptos a dar informações. Sempre simpáticos e com um sorriso estampado no rosto, nos parecia que o fato de estarem trabalhando não era problema. Próximo ao Vale do Anhangabaú, enquanto um grupo dançava em um palco minúsculo e uma mulher dublava a cantora Beyoncé, policiais, embalados pela música pop e pela empolgação do pequeno público, ensaiavam leves passos, no melhor estilo "dois prá lá, dois prá cá". No mesmo local via-se ainda cachorros perdidos, casais namorando, catadores de latinhas e muitos, muitos grupos de amigos.



Em meio a tanta atração, era como se cada dez passos definissem o limite onde começava uma música e outra. Do alto da ponte do Vale observávamos abaixo um conglomerado de pessoas numa espécie de ponto central. De lá e para lá, ruas, avenidas e pontes serviam de acesso a pessoas para o mais eclético palco da noite, por onde passariam, por exemplo, Hermeto Pascoal, The Temptations e a Orquestra Popular do Recife.
Ao aproximarmo-nos da República do Samba, pudemos ouvir as notas roucas e abafadas cantadas pelo apresentador – de noite, eu rondo a cidade a te procurar, sem te encontrar. Ele tentava, mas só uma centena das 15 mil pessoas que esperavam ansiosamente pelo Baile do Simonal o acompanhava. Naquele mar de gente, vez e outra éramos surpreendidas pelo surgimento de gigantes, quando enfim percebemos a existência de uma pedra, de grandes proporções, que servia como apoio para aqueles que buscavam uma vista privilegiada no meio daquela batalha por cm² que se instaurara – o show estava para começar.


Wilson Simoninha e Max de Castro - Fotos do Flickr de Priscila Azul

Os primeiros acordes soaram e Wilson Simoninha e Max de Castro apareceram no palco cantando com a multidão – prá lá de animada, diga-se de passagem. "Quando eu era neném, não tinha talco mamãe passou açúcar em mim". Ao nosso lado, uma jovem loira, arrumadíssima, se pendurava em um dos monumentos da praça para cantar – ou gritar – junto com os filhos do grande Simonal. O coral paulistano seguiu cantando as grandes canções do mestre – "meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá..."; "ela vem chegando, e feliz vou esperando, a espera é difícil, mas eu espero sambando...". Que maravilha! – dizíamos. Logo ao lado uma jovem nos ombros de um rapaz batucava seu pandeiro no ritmo do samba. Mas, foi ao som de "Sá Marina" que a multidão veio abaixo, todos cantavam sorrindo acompanhando os irmãos que com maestria dominavam o palco. Foi "Sá Marina" também a canção escolhida para a canja. O relógio indicava que havíamos passado 60 agradáveis minutos ao som de Simonal quando a dupla deixou o palco.



Foram poucos os que se retiraram dali. Dentro de alguns minutos, tomaria o palco o grande Jair Rodrigues. Todos esperavam ansiosamente quando Jair pulou no palco, com sua empolgação já muito conhecida. "E deixa que digam, que falem, que pensem, deixa isso prá lá, vem pra cá, o que é que tem?", cantou e contou participação empolgada do público. Emocionado, homenageou a amiga e companheira de festivais, Elis Regina, com a música "Arrastão".


Jair Rodrigues, do Flickr de Rafael Ianni, e Sidney Magal, do Flickr de Renato Luiz Ferreira

Foi neste momento que nos separamos para acompanhar um lado, digamos, mais brega da Virada. No palco Vieira de Carvalho, no Largo do Arouche, o sangue de aproximadamente 35 mil pessoas fervia por Sidney Magal, que não era o único a comandar a festa: da janela do terceiro andar, um senhor de pijama conduzia uma parte do público que o acompanhava: mãos para cima, pra direita, agora pra esquerda. Como ele, muitos se balançavam nas janelas enquanto Magal pedia a todos que sorrissem, cantassem e que balançassem seus corpos sem parar. Ele cantou ainda o clássico "Haja Amor" de Luis Caldas, que se apresentaria logo em seguida, no mesmo palco. E assim foi, tudo muito apertado, muito engraçado e muito colorido no "palco do brega" – como ficou conhecido informalmente -, difícil de chegar e difícil de sair.



Há alguns metros dali, Jair cantava sucessos da música popular brasileira em um tom emocionado. Reunimo-nos novamente. Jair pulava de um lado para o outro do palco. "Eu fiz um show ontem à noite até de madrugada, um pela manhã em Bauru, um agora à tarde em outro lugar de São Paulo e agora estou aqui com vocês", Nos entreolhamos e, praticamente juntas, dissemos: quero envelhecer assim. Copiamos o mestre e saímos pulando quando ele canta as primeiras notas de "Tiro ao Álvaro", em homenagem aos 100 anos do compositor Adoniran Barbosa. "Meu peito até parece sabe o quê? Táuba de tiro ao Álvaro. Não tem mais onde furar."



Foi então que experimentamos mais uma, das muitas que passamos neste dia, sensação: o cansaço. E ele nos venceu. Decidimos fazer o caminho de volta, dessa vez juntas. Rumamos para a estação de metrô mais próxima – a República – sentamos no trem e, às 3h30 da manhã, semi-vivas e em silêncio, nos separamos na estação Consolação. Missão cumprida.

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