terça-feira, 22 de junho de 2010

A Virada que surpreendeu

Elisa Grego e Pedro Bastos


Nos dias 15 e 16 de maio a cidade de São Paulo foi mais uma vez presenteada com a 6ª edição da Virada Cultural. Durante 24 horas ininterruptas moradores e visitantes da maior cidade do país puderam aproveitar todo o espetáculo que a Secretaria Municipal de Cultura proporcionou. A cidade dá uma pausa na correria e na loucura do dia-a-dia e se deixa levar pela mística criada por uma overdose de entretenimento. Talvez esse evento seja o único capaz de parar a “cidade que não para”.

Maravilhoso, não? Afinal, quem não gostaria de participar de um evento de tamanha proporção e com as atrações sensacionais que ele prometia? Pois é, nós dois não gostaríamos. O problema é que cobrir a virada fazia parte do calendário da disciplina “Jornalismo Cultural” que cursamos. Até tentamos expor nossos medos para nossa professora para saber se havia a possibilidade de fazer outro trabalho, mas, no fim, a consciência pesou e decidimos tentar. Afinal, não custa nada tentar, não estávamos indo cobrir a guerra no Iraque, era só a Virada Cultural! (Apesar de saber que a guerra não era nosso destino, levamos nas mochilas bagagem de quem embarcava rumo ao Iraque: trocas de roupa, cobertores, bolachas para sobreviver uma semana, etc.)

Mas nosso medo e falta de vontade começaram a dar lugar ao divertimento, companheirismo e descoberta de uma realidade completamente diferente daquela que estávamos acostumados a viver no momento em que entramos no carro para partir. No início, não deu muito tempo de se preocupar com o evento, já que, diferentemente da enorme maioria dos campineiros de 20 anos, nossa carona não tinha o menor medo de dirigir em São Paulo e o fazia de forma, digamos, radical. O problema é que ela era seguida por outra campineira que tinha medo de dirigir pelas marginais paulistanas e não fazia a menor idéia do caminho. O resultado foi uma combinação de adrenalina, muitas paradas para esperar a companheira que vinha no carro de trás e havia se perdido, e muitas risadas.

Enfim, chegamos! Encontramos um estacionamento próximo ao nosso “quartel general” (um de nossos colegas cedeu seu apartamento, muito bonito e estrategicamente localizado, para que todos os integrantes da nossa turma se reunissem, trabalhasse, dormissem, e coisas do tipo), desembarcamos com nossas milhares de bugigangas, compramos um número razoável de latinhas de cerveja para poder dar uma “relaxada” na volta, e partimos rumo ao nosso destino: a Estação da Luz.

Nossa função era cobrir as apresentações de música clássica que aconteceriam ao lado da estação. Como muitos outros eventos cercariam esse tradicional ponto da cidade, outras quatro colegas nos acompanharam no metrô para maior segurança. O embarque e a baldeação foram bem tranqüilos (o único problema foi que nos perdemos das nossas colegas numa hora em que muita gente entrou no vagão), mas o desembarque nos colocou em uma situação desconfortável. Como todo bom cidadão do interior, fizemos um mapa da rota que seguiríamos pelo metrô. Nossa inocência nos fez acreditar que, por se tratar de uma estação, a Estação da Luz seria um ponto de parada do metrô. De fato, existe uma parada chamada “Luz”, mas ela fica a uns trezentos metros da Estação da Luz. Existe um caminho subterrâneo nesse ponto de parada que leva à porta da Estação da Luz, mas pela falta de sinalização, acabamos não encontrando esse caminho. Nós avistávamos a Estação, mas não fazíamos ideia de como chegar nela. Perguntamos para um segurança e ele nos indicou um pontilhão que nos levaria ao nosso destino, são e salvos. O problema é que perto de onde estávamos se encontra a “Cracolândia”, uma das principais favelas e ponto de tráfego da cidade, e o fim desse pontilhão que atravessamos dá em um pequeno beco no qual uma parte da cracolândia se encontrava. Um mau cheiro horrível e centenas de pessoas agrupadas em um espaço pequeno, provavelmente vendendo drogas. Não conseguimos saber exatamente o que acontecia, já que apertamos nossas mãos com todas as forças e passamos de cabeça baixa o mais rápido que pudemos. Foi uma sensação horrível que nos deixou com a impressão de que nossa noite seria composta basicamente de apuros como aquele.

Engano nosso. A Estação da Luz é algo fora de série. Estava simplesmente maravilhosa toda iluminada, e o ambiente criado por toda aquela imponência que ela possui era muito diferente. Quando chegamos, a Jazz Sinfônica de São Paulo acabava de iniciar sua apresentação no palco montado bem ao lado da Estação, em frente aos portões do Jardim da Luz. Não estava muito cheio, mas o clima criado pela presença de um público totalmente misto, com homens e mulheres de todas as idades, inclusive idosos, era muito interessante. A Jazz Sinfônica, que surgiu com o intuito de desmistificar e popularizar a música erudita através da mistura com canções populares, fazia uma apresentação bonita, mas não muito animada. Durou pouco mais de uma hora e, no fim, foram aplaudidos de pé. Continuávamos impressionados com a imponência da Estação da Luz, mas relativamente desanimados com a música.



Público na Orquestra Jazz Sinfônica. Foto: Elisa B. Grego



Como o próximo show, o da Orquestra Sinfônica Municipal, aconteceria somente duas horas depois, saímos em busca de alguns colegas que estavam nas proximidades para acompanhar suas coberturas. Encontramos alguns em um passeio pelo Jardim da Luz, passeamos pelas quase vazias apresentações de bandas independentes, visitamos a exposição da Pinacoteca, mas nada disso foi tão emocionante quanto cantar “Galopeira”, uma das músicas sertanejas mais conhecidas no país, com umas vinte pessoas que cercavam um piano situado no meio da Estação da Luz. As pessoas eram muito simples, inclusive aquele que fazia a melodia no piano, mas se divertiam muito ao som sertanejo produzido pelo piano. Cantamos juntos, demos muita risada e, quando saímos de lá, eles já estavam emendando mais uma canção para cantar todos juntos.


Cantando "Galopeira" no piano da Estação da Luz. Foto: Elisa B. Grego


Depois de quase uma hora na fila para comer um pastel (e de ouvir muita gente inconveniente brigando com as pessoas da barraquinha de pasteis), percebemos que a quantidade de gente na frente do palco da música clássica havia aumentando muito. Já não tinha mais lugar para sentar, e as pessoas já se aglomeravam na parte central entre as duas fileiras de cadeiras. Pegamos cadeiras das danças, que ficava bem próximo e estava vazio, e conseguimos nos acomodar. De repente, muita gente começou a chegar. Sabíamos que Orquestra municipal era boa, mas não lembrávamos de a ópera que eles apresentariam, Carmina Burana, de Carl Orff, era tão conhecida assim. Ficou tudo completamente lotado. As laterais do palco e todo o espaço atrás das cadeiras ficaram abarrotados de gente.


Orquestra Sinfônica Municipal e Coral Lírico. Foto:
NILANI GOETTEMS/AE





Quando o show começou, todo aquele esforço se justificou. A Ópera é realmente magnífica. Um começou arrasador arrepiou a todos e arrancou muitos aplausos. Ficamos muito emocionados e empolgados com aquela apresentação. Apesar de alguns estranhamentos com a melodia contemporânea da ópera, fomos surpreendidos por uma apresentação realmente muito comovente. A ópera contou com uma encenação feita por um grupo que dançava contra a luz fazendo com que sua enorme sombra incidisse no prédio da estação. Não dava para saber se acompanhávamos as Bloco de textogigantes sombras das encenações ou se tentávamos enxergar a orquestra ao fundo. Mas, não importa onde a pessoa estivesse, de qualquer lugar ela enxergaria, ouviria e sentiria a emoção desta ópera.



Público da Orquestra Sinfônica Municipal. Foto: NILANI GOETTEMS/AE




A apresentação terminou à meia noite, sem confusões na saída e com muito policiamento. Grande parte das pessoas se dirigiram inocentemente à barraca de pastel. Mal sabiam eles que ficariam algumas horas na fila. Nós encontramos nossas colegas e uma maneira mais fácil de chegar à parada do metrô, sem passar pelos becos da Cracolândia. Vale lembrar que encontramos José Serra, candidato Tucano à presidência, dando entrevista em frente à pinacoteca e sendo vaiado por alguns petistas, que gritavam histericamente: “DILMA, DILMA!”. O mais engraçado era que todos pareciam tentar proteger uns aos outros na nossa turma. Nos vigiávamos, andávamos de mãos dadas e coisas do tipo para nos proteger de possíveis confusões ou aglomerações.


Conseguimos chegar sãos e salvos ao nosso Quartel General. Não havia nenhuma atividade jornalística acontecendo por ali, e a cervejinha que havíamos comprado já estava sendo consumida pelos que chegaram mais cedo. Com o passar do tempo, o resto do pessoal foi chegando e aquilo acabou virando uma grande festa da turma.

Pode parecer que esse final foi a parte mais legal da “aventura” para nós. Mas não foi. Na verdade, as coisas se completaram. Foi uma emoção diferente participar de um evento tão grandioso. Sabíamos que ele era grandioso, tem que estar lá, tem que ver aquele monte de gente junta, para saber realmente do que se trata. Além disso, o fato de termos cuidado muito um do outro só serviu para nos unir mais e mostrar que estamos prontos para enfrentar situações que imaginávamos ser completamente amedrontadoras. Muito provavelmente, ninguém que participou dessa cobertura realizada pela turma hesita em dizer: valeu a pena.

Confira o vídeo que gravamos no momento mais emocionante da ópera Carmina Burana:


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