sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mais um dia em que São Paulo não parou

Leonardo Maturana e Patrícia Ruzene

A noite não estava tão fria quanto o prometido e o movimento na Estação da Luz não era tão assustador. A primeira grande atração da noite foram os anônimos que se aventuravam ao piano disponível no pátio da estação.

Em uma das saídas da estação, na Av. Cásper Libero, dois palcos para bandas independentes. Do outro, em frente à Praça da Luz, um palco para a Orquestra Sinfônica Municipal e outro para apresentações de dança.

Ficamos em frente à Praça da Luz, onde o movimento era maior. Em frente aos palcos, cadeiras de plástico para que o público, predominantemente de famílias, casais de todas as idades e idosos assistisse sentado. Os telões que deveriam estar ao lado do palco não foram instalados; a organização alegou problemas técnicos. Quem ficou em pé teve de se virar: subir no ombro do namorado, no muro da estação, ficar na ponta dos pés e, no caso de alguns espertinhos, ficar onde estavam as cadeiras, atrapalhando quem estava sentado. Mas estes logo saiam quando levavam vaias, ofensas e latas na cabeça. Nada que gerasse maiores conflitos. Mas se ocorresse, policiais e bombeiros estavam por toda parte.

Também havia atendimento médico no local. Por duas vezes uma ambulância teve de abrir espaço entre as pessoas. O pessoal de plantão também não teve muito trabalho, até à 00h00 foram feitos apenas dois atendimentos: uma mulher embriagada, que cortou o supercilio em uma queda, e uma senhora com dor nas costas.

A honra de abrir a noite de apresentações de dança ficou com a Cia de Dança do grupo Raça, de São Paulo. Em uma homenagem à coreógrafa Roseli Rodrigues, fundadora do grupo falecida em março deste ano, os bailarinos mostraram muita técnica e sincronia no palco. Composições de tango, como "Por una cabeza" de Carlos Gardel, embalaram os movimentos contemporâneos que faziam referência a dança típica argentina na apresentação "Tango Sob Dois Olhares".

Duplas e trios entraram e saíram de cena durante trinta corridos minutos e mantiveram o público atento à mistura de sensualidade, dinâmica e precisão dos bailarinos. Elementos cénicos e o jogo de luzes, hora azuis, hora âmbar, ajudaram a compor o espetáculo.




Entre uma apresentação e outra, pausa para uma boquinha. Encontrar comida não foi muito fácil. Do lado da Praça da Luz só havia uma barraca de comida, com uma fila quilométrica. Nada de pipocas, hot-dogs ou espetinhos. Do outro lado da estação, alguns butecos da Av. Cásper Libero estavam abertos, mas nas ruas só um vendedor de amendoim e dois carrinhos de milho cozido, que perceberam a procura crescente e subiram o preço de R$ 3,00 para R$ 4,00 por espiga após as 22h30. Lá pelas tantas, aparecem uns garotos vendendo bandejas de sushi a R$ 5,00 cada. Pode até parecer loucura comprar sushi de rua, mas a aparência estava boa e, não fossem os milhos que comemos, teríamos encarado uma bandejinha. Antes da 1h, os garotos já tinham vendido tudo.




A segunda apresentação, "Diários de Viagem", fugiu um pouco do que consensualmente é chamado de dança moderna. A falta de ousadia no figurino, na iluminação e na aposta musical marcaram uma apresentação fraca.
O grupo apostou em elementos teatrais, com uma narração orientando os movimentos dos bailarinos. Teria funcionado se o texto não fosse tão confuso e as movimentações tão parecidas que acabavam não dizendo muito. A mensagem que a companhia Omstrab tentou passar se perdeu, e o público foi diminuindo a cada minuto.

Apresentação ruim. Ótimo pretexto para sair de fininho até a Praça da Luz e conferir o tal do Vagalume (Die Lichtwessen), que prometia ser a apresentação mais criativa da noite. Perdemos a viagem, a apresentação tinha sido adiada para 1h30. Restava cruzar a estação em direção à Av. Cásper Libero em busca de algo interessaste. Mas, a partir das 22h, passar de um lado para o outro da estação tornou-se um desafio. As 23h sairia o primeiro “Trem das 23h”, um passeio em homenagem a Adoniran Barbosa, e uma hora antes as filas já tomavam conta de toda parte superior da estação.

Enquanto o palco da dança era preparado para a apresentação do grupo Gnawa, a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Lírico executavam Carmina Burana no palco oposto. Todo mundo reconheceu a música, que deve ser a mais utilizada em trailers de filme em todos os tempos. Aqueles que estavam sentados no palco da dança viravam as cadeiras para prestigiar a orquestra, que foi muito aplaudida.

Uma apresentação de luzes e sombras na arquitetura acompanhou algumas das execuções da orquestra. O efeito da projeção, que prometia ser algo muito interessante, deixou a desejar. Sem a liberação da prefeitura para que as luzes da estação fossem desligadas, restou ao grupo Cia Quase Cinema fazer uso de um foco de luz em um pequeno canto do prédio da Estação um pouco mais escuro. Lutas de espadas e interpretações corporais se somaram a barcos e fantasias para criar um efeito de sombra na arquitetura, o que era complementado com luzes coloridas e em formatos curiosos. Porém nada que despertasse muito a atenção do público atento a cada nota da Orquestra.




As 23h foi a vez da Cia de dança de São Paulo mostrar a que veio. Foram trinta minutos de muita concentração nos movimentos dos melhores bailarinos do país em um espetáculo formidável. Técnica clássica aliada ao conhecimento do conceito de dança contemporânea, tudo muito bem ensaiado para que a composição de Gnawa fosse impecável. O figurino em tons de bege para os homens e preto para as mulheres criou efeito visual com a iluminação dando um toque especial a sincronia dos movimentos da dança livre.

Seguindo a proposta, já que o nome Gnawa se refere a um grupo ético e religioso de ordem Sufi no Marrocos, descendentes de antigos escravos da África subsaariana que migraram em caravanas com o comércio, foram utilizadas velas durante a apresentação e a trilha musical era de batidas fortes e marcadas como os batuques africanos. Os passos dos bailarinos, como não poderia deixar de ser, acompanhavam essa dinâmica com precisão e força aliados a agilidade do impecável corpo de baile.



Ainda inebriados pela apresentação, deixamos a estação da luz para repor as energias. Eram duas horas da manhã, e pessoas chegavam e saiam da estação de metro como se fosse horário de pico. Paramos numa padaria lotada em algum lugar próximo à Av. Paulista. As três da manhã ainda havia muita gente caminhando pelas ruas da capital paulista, mostrando que a Virada Cultural é realmente um evento incrível capaz de transformar os hábitos dos que tanto temem pela segurança. Mais um dia em que a cidade não parou.

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